quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Impressões sobre "A Pele que Habito", de Almodóvar

Ainda antes das gravações de “A Pele que Habito”, quando questionado sobre a ausência de sua preferida Penélope Cruz no elenco, Pedro Almodóvar disse não imaginar a atriz no papel principal de seu novo filme. A resposta faz sentido após uma sessão do longa-metragem: não há margem para musas, para a beleza, em “A Pele que Habito”. Não há na verdade nem espaço para o erótico, mesmo com a abundância de pele e carne nua exposta.
A transfiguração de gêneros é tema recorrente na filmografia de Almodóvar, desde os travestis de “Tudo Sobre Minha Mãe”, a homossexualidade latente de “Má Educação” e até a tara por comatosos de “Fale Com Ela”. Mas nunca da maneira vista aqui – o cineasta espanhol parece ter bebido na fonte de Sade ao pensar genitálias exclusivamente como genitálias, não como elementos definidores da sexualidade de um organismo.
Se pênis e vaginas são tão freqüentes em “A Pele que Habito”, a presença dos órgãos nunca sai do âmbito do discurso. O mais próximo de uma presença visual está na coleção de consolos do cirurgião Robert Ledgard, por mais que estes não deixam de ser artificiais. Como, aliás, são todas as outras referências feitas aos instrumentos sexuais dos personagens, a começar pelo bem-dotado “homem tigre”.
A indefinição permeia praticamente todas as relações interpessoais em “A Pele que Habito”. Seja na mãe receosa pela violência do filho, seja pela consumação ao não de um estupro. Nem mesmo a Vera Cruz interpretada por Elena Anaya, responsável pelo ato de conclusão da trama, deixa de titubear nesse emaranhado de instabilidades. Reparem: ela comprou o gel lubridificador.
Só Ledgard tem certeza de seus atos, e as feições talhadas de Antonio Banderas casam perfeitamente com o personagem. Almodóvar demorou 20 anos, desde “Ata-me”, para voltar a trabalhar com o ator, talvez na espera deste amadurecer. Os protagonistas de “Ata-me” e “A Pele que Habito”, não por acaso, ainda dividem outras similaridades, como a obsessão pela amada e o uso do cárcere.
Afora todo esse incômodo (e se há uma palavra direta pra definir “A Pele que Habito” é esta, “incômodo”), Almodóvar segue como um exímio criador de planos. As imagens das trocas de olhares entre o casal de protagonistas, mesmo proporcionadas apenas pelo médium da televisão, são tão belas que dá vontade de imprimir e colocar num quadro. Coisa de quem realmente tem domínio da linguagem cinematográfica e usa seu potencial para reinventar-se. E, de quebra, gerar uma série de discussões, como é de praxe em todo bom filme.

Nenhum comentário:

Postar um comentário