quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O crepúsculo do Morcego


Assim como no episódio anterior, “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” se pauta pelas ações de um vilão: depois do Coringa, é existência de Bane que justifica a presença do herói em Gotham City. Não fosse pela presença do terrorista, dificilmente Bruce Wayne sairia de seu limbo para, novamente, vestir o traje que praticamente o amaldiçoou ao mexer no vespeiro do submundo da metrópole, que enfrenta os problemas triviais de uma grande cidade com a presença constante de malucos que querem destruí-la. Lugarzinho esquisito essa Gotham...
Por isso, a construção de Bane é essencial para o sucesso do longa-metragem E, nesse ponto, o terceiro “Batman” está muito bem resolvido. Sai o anarquismo do Coringa, entra o terror de Bane, que transita entre o anseio descerebrado pela destruição e a erudição, presente principalmente em seus longos discursos potencializados pelo ótimo tom de voz estabelecido por Tom Hardy, praticamente a única ferramenta de atuação de um personagem cujo rosto é coberto por uma enorme máscara.
Tudo que foi dito e escrito elogiosamente ao novo “Batman” faz sentido. “O Cavaleiro das Trevas Ressurge” realmente fecha com primor a trilogia, exigindo até uma revisita aos dois longas anteriores para deixar tudo vívido na memória. O filme tem ainda a vantagem de se aproximar mais da estética dos quadrinhos que os precursores, com a presença de personagens icônicos e situações certamente identificáveis para os fãs de HQs. Da mesma forma mantém a verossimilhança típica da série: o diretor Christopher Nolan quer lembrar constantemente que, sim, naquele mundo é possível a existência de Batman, Bane e outros tipos.
MAS há algumas poucas, e relativamente graves, falhas. Por mais que coincidências e planos excessivamente mirabolantes fizessem parte da trama dos capítulos 1 e 2, estes eram organicamente inseridos na história, não precisam de grande suspensão da crença do espectador para se tornarem factíveis (como exemplo, cito a fuga da prisão do Coringa em “O Cavaleiro das Trevas”, que tem desde um celular inserido na barriga de um capanga até o destempero providencial de um dos policiais). Aqui a barra é por vezes forçada demais, o que diminui a força de “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”.
Para quem deseja acompanhar o raciocínio, aviso que os pontos abaixo estão recheados de SPOILERS. Então, leia por conta e risco.

- Não há nenhuma justificativa para Bane, logo depois de triturar a coluna de Bruce Wayne, contar para ele todo o seu plano. Aliás, tem sim: fazer com que o herói sabia como agir ao voltar para Gotham e acabar com a festa do vilão.

- A volta para Gotham é outro problema: primeiro, como Wayne viajou quilômetros de distância no meio do deserto? E como entrou em Gotham se a cidade estava toda sitiada, cercada de capangas de Bane? Sem falar que deu tempo para trocar de roupa, fazer a barba e encontrar Selina Kyle num momento bastante propício. (Aliás, Batman deve ter um “sensor aranha” porque sabe exatamente onde o crime está acontecendo e a que horas deve chegar).

- Antes do reencontro com o Comissário Gordon, deu para montar todo aquele show pirotécnico com fogos formando um morcego gigante? E o que dizer que reação de Bane ao ver a obra: “impossível”? Não seria melhor ter matado Wayne de vez quando teve oportunidade?

- A personagem de Marion Cotillard é bem mal resolvida, mas a revelação de que é Talia al Ghul cria um bom gancho com o primeiro filme da saga. Só não dá pra engolir a morte excessivamente caricata, já devidamente satirizada no tumblr http://peopledyinglikemarioncotillard.tumblr.com/

Dito isso, o desfecho é bastante satisfatório. Fecha muito bem a trilogia e ainda abre espaço para uma nova saga, que certamente não será desperdiçada depois do imenso sucesso de “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”. Só poderiam ter caprichado um pouquinho mais no desenvolvimento da trama...

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Crítica: "Super 8" e os vícios de Spielberg e Abrams

“Super 8” é a reunião dos vícios de Steven Spielberg com as obsessões de J.J. Abrams, para o bem e para o mal. Uma ode ao cinema de aventuras fantásticas como “Os Goonies” e “Conta Comigo”, o longa-metragem parece feito sob medida para os nostálgicos amantes da década de 1980, mas vez ou outra se rende às características de superproduções contemporâneas com seu abuso de efeitos especiais e a ânsia de querer ser épico.
De Spielberg, “Super 8” herda o espírito infantil e a trama marcada por uma paternidade conturbada – o protagonista é Joe, um menino que perdeu a mãe precocemente e tem uma relação difícil com o pai policial. Ao lado de um grupo de amigos, o garoto decide gravar um filme de terror, e durante uma tomada noturna eles presenciam um estranho acidente de trem. A situação fica ainda mais insólita quando o exército invade a pequena cidade e isola o local onde os jovens cineastas fizeram as filmagens.
De Abrams, “Super 8” herda o gosto pelo mistério. O diretor, conhecido principalmente por seu trabalho na série “Lost”, fornece pistas à conta-gotas e deixa o público tão perdido quando seus personagens. A descoberta deles é também a nossa, o que gera uma empatia imediata na plateia, ávida por descobrir o mistério em torno do acidente de trem. Mas de Abrams aparecem ainda uns vícios estéticos, como os bregas contraluzes e a câmera levemente inclinada.
O resultado dessa mistura do cinema de outrora com o moderno cria um híbrido em alguns momentos estranho. Autorreferente e feito por quem (e para quem) ama o cinema, “Super 8” peca pelo excesso de informações no último ato, um didatismo desnecessário para uma produção que até então prezou pelo cuidado em seu desenvolvimento. É ainda flagrante o dedo de Spielberg em aliviar o destino trágico de alguns personagens, outro vício que acompanha o diretor e produtor.
O veterano e Abrams, seu novo pupilo, podem até ter se divertido na concepção dessa sua homenagem ao cinema, mas não dá para negar que “Super 8” termina não tão bem como começa.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"Lanterna Verde", o herói sem brilho

Na mitologia criada por Martin Nodell e Bill Finger, são 3,6 mil integrantes na Tropa dos Lanternas Verdes responsáveis pela paz da galáxia – nem mesmo Hal Jordan, o primeiro terráqueo a integrar o grupo, se manteve no posto de defensor do nosso planeta nos mais de 70 anos do personagem. Tamanha complexidade, muito além até de outros heróis da DC Comics como Batman e Superman, dá uma ideia da inglória tarefa de levar “Lanterna Verde” aos cinemas.O resultado, como se sabe, não foi dos mais felizes e a franquia tem seu futuro incerto mesmo com o gancho deixado na cena pós-creditos do longa-metragem dirigido por Martin Campbell. O diretor, aliás, foi convocado para adaptar “Lanterna Verde” por ter experiência em reviver heróis nos cinemas, como Zorro e James Bond. Mas não há um traço autoral na produção: “Lanterna Verde”, aliás, não se decide em ser um filme estritamente comercial ou se trilha a linha mais realista dos Batman de Christopher Nolan.
A construção de Hal Jordan (Ryan Reinolds) é exemplar nesse sentido. Não basta ser um piloto destemido para torná-lo apto ao posto de super, é preciso lapidá-lo com um trauma de infância (no caso, a morte precoce do pai) e ainda inserir um relacionamento amoroso mal-sucedido. Hal Jordan, no filme, precisa amadurecer também como pessoa para estar pronto para vestir o uniforme verde e aprender a lidar com seus poderes, numa batida cena de treinamento.

Da mesma forma, a criação dois vilões se mostrou um grande equívoco. Com tanta coisa a se explicar, deixa para um sem-número de péssimos diálogos expositivos, fica difícil dar conta da metamorfose de Hector Hammond, a ameaça terrestre, e da entidade Paralax, a ameaça galáctica. Assim falta tempo para momentos importantes como a primeira aparição pública do herói, que de tão mal desenvolvida chega a ser risível - aparentemente os coadjuvantes e figurantes estão acostumados a ver homens voadores tamanha falta de impacto provocado pelo Lanterna Verde.

De certa forma, “Lanterna Verde” lembra outra famigerada adaptação de personagem da DC Comics, “Batman & Robin”. É fruto da megalomania de Hollywood para criar uma série de sucesso, mas que não atenta para a construção de uma sólida história antes de transformá-la em produto. “Lanterna Verde” é até uma bobagem divertida, mas uma bobagem que custou US$ 300 milhões.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Em DVD, o repetitivo "Se Beber, Não Case - Parte II"

Substitua a luxuosa Las Vegas pela exótica Bangcoc, um recém-nascido por um monge budista e o dente arrancado por uma tatuagem à lá Mike Tyson: está pronta a fórmula de “Se Beber, Não Case! – Parte II”, sequência da genial comédia de 2009 que deu início a franquia mais rentável do humor na atualidade. Pena que a continuação caia no lugar comum de apenas repetir as ideias do primeiro filme e exagere na grosseria, causando muito mais constrangimento do que risadas.
A premissa também é bastante similar. Depois da noite de farra na Cidade do Pecado na despedida de solteiro de Doug (Justin Bartha), Phil (Bradley Cooper), Alan (Zach Galifianakis) e Stu (Ed Helms) estão na Tailândia para o casamento desse último. Para não terem mais um ataque de euforia, os quatro amigos decidem fazer apenas um luau na praia – claro, a ideia não dá certo e no dia seguinte lá estão eles num hotel vagabundo no centro de Bangcoc, sem memória e sem a mínima ideia do paradeiro do cunhado de Stu.
Até aí, nenhum problema. Repetir o ponto de partida da trama original é até uma zona de segurança, como se o diretor Todd Phillips quisesse entregar justamente aquilo que o público deseja, sem correr grandes riscos. Mas o excesso de zelo fica com cara de piada requentada quando as situações do primeiro “Se Beber, Não Case!” reaparecem exaustivamente, até na mesma ordem e sem a mesma graça.
Há ainda de se lamentar a mudança de Alan, de longe o melhor personagem da série. De um doido excêntrico e infantil ele passa a ser digno de pena, como se tivesse algum retardo mental incompreendido pelos amigos. Por outro lado, Stu aqui ganha mais destaque e seu desespero ao perceber que o cunhado pode estar em perigo garante uns poucos momentos divertidos no longa-metragem.
Trocando o humor físico por algumas cenas até violentas, sinal da ânsia de Todd Phillips em ampliar as situações inusitadas do primeiro filme, “Se Beber, Não Case! – Parte II” tem na previsibilidade seu maior problema. Em determinado problema, um personagem diz não acreditar “que está acontecendo tudo de novo”. Pois é, eu também não.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A volta de Tom Cruise em "Missão: Impossível 4"

Responsável por duas obras-primas da animação, o pouco conhecido “O Gigante de Ferro” e o popular “Ratatouille”, Brad Bird aparentemente cansou de ser taxado como um diretor “menor” e encarou um grande projeto logo em sua estreia no live action, com atores reais. De quebra, tem ainda a responsabilidade de reavivar a carreira de Tom Cruise, astro cada vez mais longe do sucesso das décadas de 1980 e 1990.
A existência de “Missão: Impossível 4 – Protocolo Fantasma” atende aos anseios do diretor e do ator. Bird quer mostrar talento na condução de uma megaprodução, enquanto Cruise almeja se afastar da decadência. Para isso, nada melhor que retomar um sucesso de outrora em uma nova embalagem, modernosa para o público pouco íntimo das aventuras de Ethan Hunt, o agente da IMF (Impossible Missions Force) responsável por burlar as leis da gravidade e outras suspensões da crença.
Quem assistiu aos três primeiros filmes sabe como o exagero é praxe em “Missão: Impossível”. No quarto capítulo, a trama se aproxima um pouco do filme de estreia, com Ethan Hunt tendo de provar sua inocência após uma missão de IMF dar errado e provocar um grande estrago em Moscou. A diferença é que, desta vez, o agente não poderá escolher sua equipe e se apoia num grupo de desconhecidos, com intenções nem sempre muito claras.
Outra característica marcante de “Missão: Impossível” está no didatismo. Todo o plano de Ethan Hunt é milimetricamente explicado, para o público não precisar gastar muito tempo pensando no que diabos está acontecendo e se concentrar na ação quase ininterrupta. “Protocolo Fantasma” consegue o feito de deixar tudo bastante claro já nos próprios trailers, além de fornecer um aperitivo da cena mais comentada da produção: o momento em que Hunt escala o Burj Khalifa, o maior arranha-céu do mundo, com 828 metros, localizado em Dubai.
Brad Bird não se rende ao já previsível 3D, e troca o efeito tridimensional pelo uso das câmeras IMAX, em altíssima definição e com captação adequada para telas de cinema gigantes – mas mesmo numa sala convencional é possível perceber a diferença, coisa que quem assistiu “Batman – o Cavaleiro das Trevas” pode perceber. Uma alternativa para o batido sistema de conversão em três dimensões, potencializada principalmente em longas-metragens de ação que dependem de parafernálias visuais.
Em suma, Tom Cruise apostou alto nessa volta à sua franquia mais lucrativa. O astro, também produtor de todos os “Missão: Impossível”, sabe da importância do sucesso de “Protocolo Fantasma” para estar de novo em evidência – há quem diga que o ator se despede da série aqui, abrindo espaço para o agende Brandt, interpretado por Jeremy Renner, e que depois fará uma sequência de “Top Gun”.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Lançamento em DVD: "Melancolia"

De certa forma, “Melancolia” funciona como uma sequência indireta do filme anterior de Lars Von Trier, “Anticristo”. Não apenas pela presença de Charlotte Gainsbourg em ambos, mas principalmente por causa do tom episódico escolhido pelo diretor, tanto na divisão dos capítulos (cujos títulos prenunciam a desgraça por vir) quanto o prólogo, apresentado em câmera lenta com uma ária como trilha incidental, num caráter quase poético. Em Trier, o sofrimento é poesia e merece ser reverenciado.
Na primeira parte de “Melancolia”, acompanhamos o casamento de Justine (Kirsten Dunst), organizado pela irmã Claire (Gainsbourg) num pomposo castelo pertencente à família. À primeira vista, os duros conflitos apresentados nessa fase do filme soam como um dramalhão exagerado – não há nenhum respiro para a noiva, seja na conturbada relação com os pais, na falta de personalidade do noivo e nas excessivas cobranças dos cunhados. A família de Justine reúne todos os clichês possíveis de uma família desestruturada, e isso reflete na depressão eminente da personagem.
Mas o exagero oferecido por Trier não é ao acaso, como mostra a segunda parte de “Melancolia”. O diretor reúne toda a sua falta de fé na humanidade no evento apenas para apresentar o fim do mundo como uma benção, e conforme o gigante planeta Melancolia vem em direção a Terra a protagonista abandona seus dramas e abraça a morte como uma salvação. Até por isso, Justine leva o mesmo nome da protagonista de vários livros do Marquês de Sade, uma virtuosa que paga por sua bondade e só se livra do mal quando é rasgada por um raio.
Assim como em “Anticristo”, Trier faz de “Melancolia” uma ode ao niilismo, mas sem ver o niilismo como um fim. Justine aprende a lógica apresentada pelo diretor de que é preciso reiniciar a humanidade para livrá-la de seus vícios. E isso só será possível depois de muito sofrimento, seja na morte acidental do filho pequeno, seja na constatação de que as relações familiares estão destruídas. Se desapegar dessas crenças e abraçar o niilismo é, assim, parte do processo de redenção.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Impressões sobre "A Pele que Habito", de Almodóvar

Ainda antes das gravações de “A Pele que Habito”, quando questionado sobre a ausência de sua preferida Penélope Cruz no elenco, Pedro Almodóvar disse não imaginar a atriz no papel principal de seu novo filme. A resposta faz sentido após uma sessão do longa-metragem: não há margem para musas, para a beleza, em “A Pele que Habito”. Não há na verdade nem espaço para o erótico, mesmo com a abundância de pele e carne nua exposta.
A transfiguração de gêneros é tema recorrente na filmografia de Almodóvar, desde os travestis de “Tudo Sobre Minha Mãe”, a homossexualidade latente de “Má Educação” e até a tara por comatosos de “Fale Com Ela”. Mas nunca da maneira vista aqui – o cineasta espanhol parece ter bebido na fonte de Sade ao pensar genitálias exclusivamente como genitálias, não como elementos definidores da sexualidade de um organismo.
Se pênis e vaginas são tão freqüentes em “A Pele que Habito”, a presença dos órgãos nunca sai do âmbito do discurso. O mais próximo de uma presença visual está na coleção de consolos do cirurgião Robert Ledgard, por mais que estes não deixam de ser artificiais. Como, aliás, são todas as outras referências feitas aos instrumentos sexuais dos personagens, a começar pelo bem-dotado “homem tigre”.
A indefinição permeia praticamente todas as relações interpessoais em “A Pele que Habito”. Seja na mãe receosa pela violência do filho, seja pela consumação ao não de um estupro. Nem mesmo a Vera Cruz interpretada por Elena Anaya, responsável pelo ato de conclusão da trama, deixa de titubear nesse emaranhado de instabilidades. Reparem: ela comprou o gel lubridificador.
Só Ledgard tem certeza de seus atos, e as feições talhadas de Antonio Banderas casam perfeitamente com o personagem. Almodóvar demorou 20 anos, desde “Ata-me”, para voltar a trabalhar com o ator, talvez na espera deste amadurecer. Os protagonistas de “Ata-me” e “A Pele que Habito”, não por acaso, ainda dividem outras similaridades, como a obsessão pela amada e o uso do cárcere.
Afora todo esse incômodo (e se há uma palavra direta pra definir “A Pele que Habito” é esta, “incômodo”), Almodóvar segue como um exímio criador de planos. As imagens das trocas de olhares entre o casal de protagonistas, mesmo proporcionadas apenas pelo médium da televisão, são tão belas que dá vontade de imprimir e colocar num quadro. Coisa de quem realmente tem domínio da linguagem cinematográfica e usa seu potencial para reinventar-se. E, de quebra, gerar uma série de discussões, como é de praxe em todo bom filme.